domingo, 29 de julho de 2012

Roleta Russa

O sol já não esquentava como no início da tarde. A penumbra tomava conta de todo o cômodo. Na vitrola uma bolacha de Jamelão. A voz arrebatadora o inundava a alma. O chiado do vinil o levava em lugares ainda não explorados dentro do peito. O berro a mão, lembrava das últimas palavras: “Boa sorte na sua nova roleta russa.”
Girava o tambor ainda vazio e olhava para a mesa. Seis vagas e um único morador. A cápsula prateada ali. A sua frente.  Era uma única que poderia acabar com todo aquele sofrimento. Olhou pelo vão da porta. A saída logo ali. Um gole de café. Um novo respirar. Levantou-se da cadeira. Caminhou até a vitrola. Desligou. Caminhou até a porta. Girou a maçaneta. Deixou o ar da noite o abraçar. Chorou a última lágrima. Passou pelo marco, o marco da sua vida, e caminhou para rua.
Roleta russa – Pensou novamente.
Desceu a Mármore sem muita pressa, era sexta-feira e Moa ficava até mais tarde. Teve sorte. Estava vazio. Sentou-se. Relaxou-se. Ofereceu o pescoço e a espuma o ganhava. Entre espumas e giletes libertou-se.
Ela me disse boa sorte na sua nova roleta russa. Você acredita? Melhor ter mais cinco chances de ser feliz do que amargurar-me pelo resto da vida por um amor que não foi bem. Quantas mulheres você já amou? Tentar dói... dói muito, e como dói. Deus sabe bem, mas me dói mais a alma se não houver tentativa. Mínguo-me, e aos poucos, de tanto em tanto, morro. Morrer deve doer. Deve doer muito mais que ficar sem amar. Dor de amor dói. Mas de desamor deve ser mais cáustico. E ela me disse boa sorte na sua nova roleta russa... Problema é dela com suas teorias, com seus sonhos infantis de casal perfeito, com seus problemas de homens com quem desfilou, daqueles que a sacanearam, daqueles filhos da puta que a roubaram, problema é dela. Eu estive ali, aqui e acolá. Tentei. Juro que tentei. Pensei em desistir. Mas a roleta está aqui. Pronta. Engatilhada. Tudo pronto. Basta apertar o gatilho e respirar novamente no som do click sem o bum. Melhor viver meu amor. Melhor sentir a brisa todos os dias pela manhã. Melhor é viver com quem quer viver, do quê minguar com quem quer minguar. E a filha da puta me disse para ter boa sorte na minha nova roleta russa. É meu caro, a vida não está fácil pra ninguém...
Mais creme, mais giletes, mais morte sendo arrancada do rosto. No final a loção para lembrá-lo que a reflexão havia terminado. Um sorriso. Apertos de mãos. Alguns tapinhas nas costas. Palavras e aconselhamentos e ele ganha a Mármore. Lentamente foi subindo e sentindo o cheiro da rua, da vida, da santa, de Tereza, mulher que me ama apaixonadamente. Cantarolando ele, o mestre: “Ela disse-me assim, tenha pena de mim, vai embora...”

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