domingo, 22 de julho de 2012

Nem sequer tem título


- Bom dia.
- Bom dia!
- Tem alguém na minha frente?
- Não, é só terminar aqui e você já pode se assentar.

Ele se ajeita no banco encostado a parede, tira o telefone do bolso e fica vendo alguma coisa.

- Sua vez!

Levanta, tira os óculos, coloca na prateleira, guarda a carteira, se ajeita na cadeira Ferrante, e diz:

- Apare as costeletas e corta a barbicha como triângulo. Lembra como era? Formato faraônico!
- Claro que lembro, não tem dois meses que a cortei. Lembra?
- Pois bem...

E começa o lavoro. Sem um pio sequer. Nada, nem uma palavra. 

- E o Galo?
- Está indo bem.

Passado mais alguns minutos...

- E a mocinha? Como está indo?
- Caminhando.

Mais alguns bons dez minutos...

- O tamanho da barba está bom? Quer que tire mais? Escamoteia mais ou deixa assim?
- Está bom. Melhor não forçar, vai que estoura a pele? Pode passar a loção

Feito, ele levanta a cadeira e começa a acertar a costeleta.

- E o bacana lá de Mariana?
- Não sei. Não o vejo desde aquele dia.

Mais umas tesouradas na costeleta. Umas navalhadas tirando o grande volume de pelos da orelha e:

- Pronto! Perfeito!

Ele olha no espelho, levanta da cadeira, enfia a mão no bolso, tira uma nota de vinte, e diz:

- Fica com o troco, semana que vem a gente vê se tira um pouco do cabelo. Até
- Inté

Após a sua saída, o outro coça a cabeça, balança de um lado pra o outro e pensa em voz alta:

- Diacho este povo escritor. Semana passada estava aqui todo prosa. Cheio de assunto. Hoje, logo hoje, que é o dia em que abro a barbearia mais por causa dele, o cara não bate papo, não conta caso, nem fala da vida sexual dele. Povo esquisito. E eu que achava que este povo era sempre conversador. Vai entender... Bom, já que ele passou deixa fechar esta bodega e ir pra casa pra ver Maria.

Ele desce a porta de aço, passa a tranca, olha pro céu e novamente pensa em voz alta:

- Escritor! Povo doido de bater com pedra, Deus que me livre de virar uma raça dessas... 

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